sábado, 19 de junho de 2010

Cavaco não foi ao funeral de José Saramago

Lamento a modo hostil como o jornal do Vaticano se referiu a Saramago, como sendo um Marxista, um radical, extremista contra à religião, como se os membros da Igreja nunca tivessem cometido "pecados", falhas, injustiças e considerando Saramago um enorme mal para o mundo, logo o melhor foi a morte. Isto revela a incapacidade que os membros da Igreja Católica têm para perdoar e reconhecer o valor das pessoas.
Em Portugal, o Presidente da República decidiu não ir ao funeral de Saramago. Cavaco Silva é um sectário que não representa todos os portugueses, representa-se apenas a si próprio e àqueles que como ele são conservadores, neoliberais e rancorosos para com um dos maiores escritores do mundo actual que não tendo feito nada de mal, segundo eles pecava por ser comunista, ateu, idealista e humanista.
Se Cavaco Silva fosse primeiro-ministro, neste momento, provavelmente, não teríamos dois dias de luto nacional e funeral com honras de Estado, com o argumento que Saramago tinha ofendido os maiores valores religiosos e era um radical político.
Saramago era um escritor e pensador: ele era comunista, mas questionou muitas vezes o próprio partido,;ele não era anti-Deus, mas questionou a Bíblia e a própria Justiça de Deus; ele era português, mas questionou Portugal, o seu povo, os seus dirigentes; ele era humanista, mas questionou o próprio Ser humano e o sentido das suas obras. A morte de Saramago revelou-nos, a sensibilidade de milhares de pessoas que lhe prestaram uma sentida e última homenagem, em segundo lugar, mostrou-nos a hipocrisia daqueles que eram contra ele e que agora vieram lamentar a sua morte, dizendo que ele era um grande escritor, em terceiro lugar, tornou visível o rancor daqueles que como Cavaco nunca perdoaram a Saramago escrever o que escreveu,
principalmente quando nas sua obras reinterpretou a Bíblia.
Apesar de não serem muitos, os poucos que foram ao funeral fizeram-no por convicção, ou porque partilhavam as suas ideias políticas ou porque eram leitores dos seus livros. Emocionou-me ao ver as pessoas a gritarem: Obrigado, Saramago! Tal como me fez soltar as lágrimas ao ver os leitores levantarem os livros que ele escreveu.

Em Portugal é sempre a mesma coisa, desde Camões, Cesário Verde, Eça, Fernando Pessoa, sem esquecer tantos outros génios literários portugueses e agora Saramago, foram ignorados, criticados, colocados em causa e até rejeitados pela maioria da população.
Deixo-vos a todos uma das estrofes do MAIOR texto alguma vez publicado em Portugal, da autoria do poeta maior: Luís de Camões. Ele que há quase quinhentos anos já se queixava dos seus feitos passarem despercebidos e serem ignorados pelo povo.

"Na mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada a a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza."

Luís de Camões, Os Lusíadas,Os Lusíadas - Canto X, estrofe 145.

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